sexta-feira, 30 de abril de 2010

Pedra preciosa

Tomou por marido o Poeta para salvá-lo de destino cruel.
Tomou pela mão o Soldado e o tirou dos braços de sua amada.
Tomou o caminho do Arcebispo e desviou seus olhos do Céu.
Tomou o coração às mãos e não soube que caminho seguir. Seu destino não a prendia ali, a levava além, ao horizonte, ao alto. O alto da Torre.
Seu coração a guiou até as Três Marias.
O Tocador de Sinos a observava pelos vitrais da Catedral, desde que cruzara as portas do templo. Ele não esperava olhá-la nos olhos, tão de perto, sentir o calor de sua respiração a o macio de sua pele em seus braços.
A bela Cigana não pôde conter o espanto ao mirar, através de um embaçado espelho, aquela figura disforme olhando para ela. Cobriu a boca com as mãos e abafou um grito de pavor. Se aproximou devagar enquanto ele se escondia nas trevas. Acariciou-lhe o rosto com as pontas dos dedos. Ele se assustou e a segurou pelos braços. Ela olhou dentro dos olhos dele. E se amaram através daquele olhar.
Se entregaram a um abraço terno e intenso. E a noite seguiu, silenciosa.


Acordou sozinha, coberta por pétalas de girassóis. Vozes graves e passos pesados a despertaram do sonho para a realidade que vivia. Procuravam por ela.
Com o coração na boca, pôs suas vestes e desceu correndo as escadarias da Torre. Não sem antes olhar, mais uma vez, para o sol que iluminava a Igreja através dos magníficos vitrais.
A trupe com que viera se despedia da cidade com festa e música, mas ela não podia sair dali. Finalmente encontrara o seu lugar. Ao mesmo tempo que ouvia seus amigos em festejos, se lembrava dos nomes que diziam os homens que procuravam por ela na Torre. E entristeceu-se. Não poderia continuar lá. Tinha de seguir com a trupe.
E a cigana partiu. Com o coração na mão e a lembrança doce do carinho de seu Tocador de Sinos.

A moça do vestido de flor

Não vejo a hora de te ver passar por mim, distraída, com os cabelos longos soltos ao vento, o vestido florido esvoaçante e o sorriso encantador que me tirou os pés do chão desde a primeira vez que eu vi.
Não, você não sorriu pra mim sequer uma vez, nem sabe da minha existência, mas meu coração vive aos saltos na esperança de te ver passar do outro lado da rua novamente.
Não sei onde você mora, de onde vem nem pra onde vai, sei que enfeitou meu dia ao dobrar a esquina no meio da tarde, quando eu olhava de esguelha o movimento na praça.
Fiquei paralisado com tanta suavidade que passava por mim, como brisa a me beijar os olhos lentamente.
Não quis saber de mais nada que não seus olhos verde-esmeralda e sua pele cor de jambo que me enfeitiçaram.
Não vejo a hora de te ver passar por mim com seu sorriso encantador que me tirou os pés do chão.

A morte numa taça

Injustiça.
Acusam-me erroneamente de um crime que cometi. Assumo, sou culpado. Mas as acusações são infames!
Carrego a culpa de trazer comigo a luz dos deuses e partilhá-la. Sou acusado de causar trevas ao partilhar a minha luz.



Injustiça! Infâmia!
Devolvam-me o direito à luz.
Não me permitiram defesa, amarraram-me pés e mãos, calaram minha voz, trouxeram-me a morte numa taça e bebi. Envenenei-me de sabedoria e a luz ofuscou-me as vistas.

(quadro A Morte de Sócrates, por Jacques-Louis David)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

La Zingara

Pele morena. Longos cabelos negros. Olhos verdes.
Vestido e lenço de seda vermelha dão vida aos movimentos suaves de sua dança. Argolas, anéis, colares e pulseiras de ouro seguem o ritmo da música que ela acompanha com os pés descalços.
Ela não pertence àquele lugar. Aquela praça é apenas passagem no caminho da bela moça.
Ela não pertence a lugar nenhum. Veio das montanhas e segue em direção ao horizonte. Ela segue as batidas do seu coração e caminha... caminha para nunca mais voltar ao ponto de partida.
Quer se encontrar. E só vai parar de caminhar quando estiver no lugar a que seu coração pertencer.
Lê o destino dos passantes na palma de suas mãos e dança para conseguir algumas moedas afim de continuar o seu caminho.
O que a bela moça não sabe é que o brilho de seus olhos e o movimento dos seus pés e quadris encanta os homens que a vêem dançar.
Do Arcebispo ao soldado do Rei, todos desejam a oportunidade de passar ao menos uma noite ao seu lado. Mas, de todos os homens que a cortejaram, somente por um o coração dela bate mais forte. Aquele que foi coroado tolo diante da cidade, aquele que é diferente, aquele que nunca foi amado... aquele que soa os sinos do alto da torre.

Pesar

A solidão e o vazio que ousaram se aproximar dela tomaram lugar onde não devia, no coração.
Ela sente a tristeza de não ser mais quem era e não agir como gostaria que fosse.
Ela sente o peso de decisões duras que precisou tomar.
Ela sente a fraqueza humana que a impede de seguir em frente.
Ela tem medo de não conseguir sair do fundo do poço em que caiu quando escorregou no orgulho que trazia no peito.
Ela se perdeu... não sabe mais se vai voltar.

domingo, 25 de abril de 2010

rompante

estava quase dormindo e despertei. as palavras me escapoliam feito borboletas raras. e não podia perdê-las. saí da cama num salto, busquei papéis e caneta. sempre em tempo de registrar os pensamentos fujões. comecei a escrever... perdi o sono.

sábado, 24 de abril de 2010

pensamentos soltos

Às vezes me pego pensando naquele telefonema que eu nunca recebi, nas cartas que nunca me foram escritas... nas palavras que nunca foram ditas.
Outras vezes penso nas mensagens que nunca enviei ou nos pensamentos que nunca contei.
Me lembro dos beijos que não aconteceram e das mãos que se soltaram, dos dedos que nunca mais se entrelaçaram.
E é quando me vejo afogada nesses pensamentos, que percebo a falta que você me faz.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Rotina

Ciclo. Os dias começam e terminam com a mesma preocupação: acionar o despertador. Algumas poucas horas para repor fisicamente as energias e menos horas ainda para recarregá-las espiritualmente. O trabalho e as atribuições diárias da vida adulta nos impõem novos hábitos e maneiras de ver o mundo. Crescer faz parte. Mas a poesia sempre existirá. Jamais se perderá porque não fez sol ou por causa do excesso de calor. A poesia é o que sempre haverá.

Uma breve resposta à querida Vanessa.

sábado, 10 de abril de 2010

Penso nela...

Hoje eu me peguei pensando na Mônica de novo. Aquela menina nunca me saiu da cabeça...
Ela mora na casa da frente. E toda vez que passa pela janela, mesmo com as cortinas fechadas, me pego admirando.
Lembro como era na época do colégio... todos os meus amigos me perguntavam como eu conseguia andar com aquela garota estranha, mas eu ainda não via a Mônica como uma garota, essa é a verdade. Demorei a perceber que ela usava saias! Mas ela, também, não fazia muita questão de parecer uma garota.
Na adolescência ela se transformou, virou um mulherão. Aí sim, todos os caras queriam saber como eu andava com ela e porque ela me dava tanta bola. Mal sabiam eles que o que eu mais queria depois que me dei conta de que ela era uma garota, era que ela, realmente, me desse bola. Mas ela me via como o amigo de sempre.
Crescemos juntos, sempre fomos amigos, sabíamos de tudo o que acontecia com o outro... eu sempre adorei conversar com ela. Inventei uma paixão pra ver qual seria a reação dela e ela riu. Disse que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde e me contou que também gostava de alguém. Fez suspense de menina e até hoje não sei quem é. Deve ter sido o primeiro namoradinho que ela teve, um tal de André. O que esse cara nunca soube é que, poucos dias antes de beijá-la, era eu que segurava a mão dela, abraçava e tocava seus lábios delicadamente. Foi o melhor pôr-do-sol da minha vida!
Desde sempre trocamos confidências. A única coisa que eu nunca tive coragem de contar pra Mônica era o que eu sentia por ela. Ainda sinto. Mas pelo jeito não vou poder fazer nada. Ela já está de namorado novo e não me dá mais a mesma atenção de antes, ele ocupa boa parte dos horários livres dela. Até os almoços!
Mesmo assim, saímos juntos e conversamos como sempre. Ainda somos bons amigos...
Acho que preciso arrumar alguém pra passar o tempo até esse novo romance da Mônica ser antigo. Pelo que eu conheço dela, esse é outro namoro que não vai durar...

cidade sorriso tristonho


chora a cidade sorriso...

a tristeza está no ar
quem quer que passe
sente
perto ou longe da dor
quem quer que passe
por onde quer que passe
sente

chora a cidade sorriso...
chuva de lágrimas
mar de dor

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cidade Sorriso

chora a cidade sorriso
e suas lágrimas escorrem aos montes
formando cachoeiras de sofrimento profundo

chora a cidade sorriso
se desespera por não poder mais sorrir
as poucas forças que restam
se perdem no chorar

chora a cidade sorriso
coração apertado
nó na garganta
tristeza

chove a cidade sorriso.

Vontade de Chumbo

A nova história da Bailarina e seu Soldado

Bailarina e Soldado se conheceram num dia de muito calor na Loja de Brinquedos. O Casarão estava com todas as suas portas e janelas abertas e do jardim da frente chegavam o perfume das flores e algumas serelepes borboletas que vinham colorir o ambiente.
Menos querido que os outros soldadinhos, o Soldado de Chumbo resolveu passear pela Loja, no seu ritmo, diferente da euforia dos seus companheiros que se exercitavam, correndo em círculos. E foi nesse passeio que o Soldado de Chumbo avistou a Bailarina. Ela dançava no alto da estante, na sua reluzente Caixinha de Música.
Foi com uma certa timidez que ele se aproximou da Bailarina e começou as primeiras conversas. No início, ela dançava como se não o visse. Mas com o tempo, passou a gostar daquela companhia que há muito lhe observava de forma tão gentil.
Ela era leve. Alçava vôos bem altos. Almejava ser livre. Tudo o que a Bailarina mais queria era se libertar das suas dores e poder sair da Caixinha de Música. Mas, assim como o peso de chumbo do Soldado, ela tinha suas amarras que não a permitiam ser feliz por inteiro. Seus vôos mais altos eram seus melhores sonhos e seus piores pesadelos. Porque, quando ela acordava e percebia que estava no mesmo lugar, com um de seus pés sempre atados à Caixinha de Música, perdia a vontade de dançar, de repetir aqueles mesmos movimentos de todos os dias.
Ele tinha um peso a mais. Era de chumbo. Não flutuava como a Bailarina. Mas mesmo assim, se apaixonou pela insustentável leveza daquele ser de longas pernas, que dançava gratuitamente, quase pedindo para ser admirada. E ele admirava. Não somente a dança, mas a Bailarina e suas longas pernas.
Se apaixonaram e não foi uma história de amor como as dos contos de fadas. Poucos brinquedos aprovaram a aproximação dos dois e eles começaram a desconfiar se aquilo daria certo. O Soldado não se comportou como a Bailarina esperava e ela se decepcionou com ele.
Depois de um tempo juntos, ela decidiu se separar dele e voltar ao alto de sua estante. Ele, entristecido, não conseguia entender o motivo da separação. E sofreu. Sofreu porque não sabia mais o que fazer. Estava entregue a um sentimento que não existiria mais. Até que decidiu seguir em frente. E uma certeza ecoava dentro dele: "se libertar das amarras do medo não é fácil, nem impossível. É necessário."
E quando ele se libertou, se tornou mais leve que a Bailarina. Marchou, dançou, rodopiou com a Boneca de Pano, mas mais que isso: com todo o seu peso de chumo, o Soldado flutuou... e ela não entendeu como isso podia acontecer. A Bailarina não soube mudar como o Soldado e continuou presa à sua vida de Caixinha de Música. Soldadinhos iam e vinham perto dela. Mas passavam. E ela continuava lá, presa à sua vida de Caixinha de Música.
E ao contrário do que se pensa, a Bailarina e o Soldado de Chumbo foram felizes para sempre... separados. Cada coração encontrou um novo sentido, nele se firmou e seguiu rumo. Um por cada estrada, traçando, ambos, novos caminhos e buscando, a cada passo, uma eternidade que não se constrói. Ele, a cada passo de sua marcha. Ela, em cada passo de sua repetida dança.
E foi assim que o Soldado de Chumbo percebeu que o que batia dentro dele e às vezes o sufocava, se chamava coração.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Saudade não tem tradução

raramente se encontravam na rede. nunca trocavam emails, que dirá telefonemas. até que um dia o telefone dela tocou. era um número grande, diferente. e começava com o código da cidade dele. gelou. seu coração acelerou. e antes de pensar em qualquer coisa, atendeu à ligação quase que sem respirar. a voz trêmula do outro lado da linha indicava que ele também não esperava ouvi-la tão rapidamente. perguntou como ela estava e  esperou resposta. ela sorriu e disse que estava bem, mas logo quis saber o motivo da ligação inesperada. ele não soube dizer. ligou por ligar, apenas para ouvir a voz dela. sentia saudade. e ela também. ainda agora não se sabe quem disse isso primeiro. talvez tenham dito ao mesmo tempo, ou nem precisaram dizer, pois partilhavam aquele sentimento que aperta o coração. e o silêncio reinou. queriam saber tudo, mas não tinham coragem de perguntar nada. ou não conseguiam formular frase devido à rapidez com que seus corações batiam e seus hormônios se movimentavam. conversaram sobre coisas comuns, aquelas que se conversa com qualquer pessoa que pergunte 'como vão as coisas?'. mas queriam mais. ambos queriam saber a mesma coisa, mas não tinham coragem de perguntar. até que ela, após mais um longo silêncio, juntou forças e a pouca coragem que tinha e disse: 'e quanto a nós dois?' ele, sem graça, e sem resposta, balbuciou qualquer coisa como quem não entende o que foi perguntado e ela tentou mais uma vez. 'e quanto a nós? por que nunca aconteceu? eu sentia tanto carinho por você, tanta vontade de ficar junto... tanta coisa ao mesmo tempo. ainda não entendi porque perdemos o contato tão bruscamente. sei que seria difícil assumirmos um compromisso, por causa dessa maldita distância. mas não queria ter perdido você. nunca quis...' ele ainda não sabia o que dizer, mas respirou fundo e reagiu tão depressa que até se assustou com o que disse: 'eu ainda te amo!' sobrou um silêncio que ecoou dentro deles por mais um tempo. até ele repetir as mesmas palavras: 'eu ainda te amo! e também não consigo entender o que aconteceu com a gente. eu também queria, sempre quis você por perto, te abraçar, cuidar de você todos os dias... mas sabia que não poderia. vivíamos realidades muito distantes, não seria possível. e eu desisti. relutei, chorei, sofri. pensei em você noites inteiras, em claro, tentei te ligar e não tive forças...  até que não tive mais coragem. deixei sufocar esse sentimento tão intenso que eu carreguei comigo desde a primeira vez que te vi, naquele dia, em meio a tantas outras pessoas. você morava em todos os meus sonhos. não teve uma noite sequer que eu não tenha sonhado com uma vida ao seu lado. mas eu fui fraco, tive medo, desisti.' e ela sentiu uma lágrima cair. contou que sonhara com ele tantas vezes que perdera a conta. ela tinha chegado a escrever para ele, mas nunca teve coragem de enviar os seus escritos. sofreu, chorou, relutou tanto quanto ele por esse sentimento que surgira em meio ao nada, numa viagem para longe. tudo o que ela queria, quando fez aquela viagem, era se desligar da vida que levava no seu mundo. conseguiu. só não esperava voltar querendo uma vida que foi obrigada a deixar lá. disse a ele que não sabia mais o que sentia. e que também havia desistido. a última frase dele disse tudo o que foi guardado durante cinco anos nos dois corações:  'hoje pensei tanto em nós dois que não podia deixar pra depois e eu vim aqui só pra dizer que eu sou louco por você'. ela entendeu o recado. e choraram juntos. aquele sentimento de tantos anos não havia se perdido, continuaria na memória daquele jovem casal por toda a vida. cada um seguira seu caminho, construíra uma nova realidade, mas jamais deixaria para trás o calor daqueles dois dias em que se conheceram e se apaixonaram. tudo o que eram, dependia, em alguma parte, do que foram juntos. desligaram o telefone com a incerteza de se encontrarem mais uma vez. mas com uma certeza: jamais esqueceriam um do outro.

(ao fundo, tocava Rosa de Saron)

Conversas cinzentas

- Olha pra cima...
- Hum.
- O que você vê?
- Um dia horroroso!
- Nossa! Que triste... você não consegue ver mais que isso?
- Não!
- Nem detalhes?
- Não. Só consigo ver um céu preto que acabou com o meu humor e todo o planejamento de um dia perfeito na praia.
- Ah, melhoramos...
- Melhoramos? Eu to na mesma.
- Não,  melhoramos, sim! Você já conseguiu pôr sentimento à sua observação.
- Ah, é. Pus raiva! (¬¬)
- E não é sentimento? :)
- É.
- (mão no queixo. olha com meio sorriso) :)
- Que foi, tá divertido?
- O que?
- Me olhar com essa cara...
- Ah, desculpa (caindo pra trás, cruza os braços como apoio para o pescoço olhando o céu)
- Não... tudo bem. (sem graça)
- (olha rápido, levantando a cabeça. sorri. volta a olhar o céu, sem se levantar)
- (inquieto) Que foi?
- (ainda deitada, olhando o céu) O que?
- Você... olhando, aí, pra cima. O que é que tem aí de tão legal no meio desse monte de nuvem preta?
- (suave) Movimento...
- (meio irônico) Ah, é... só se for de chuva!
- (rindo) Também, não nego. Mas não era bem isso que eu olhava...
- E se não era isso, o que?
- Deita aqui do lado...
- (deitando) Ai, só você pra me fazer deitar aqui... tem gente olhando, sabia?
- E daí? Não estamos fazendo nada demais, só observando.
- Tá, deitei.
- Agora olha...
- Hum, to olhando.
- (¬¬) Só olha!
- Ai.

(os dois passam um tempo observando o céu. depois de alguns minutos, ela, ainda deitada, pergunta)

- E agora... me diz o que você tá vendo.
- Ainda to vendo as nuvens pretas e o dia feio.
- (respira fundo, olha pra ele sem levantar) Quer ir embora?
- Não!!! Era brincadeira. (xF)
- (vira os olhos para o outro lado) Ah... claro. Vou perguntar mais uma vez, então. (respira fundo, volta a mirar o céu) E aí, o que você vê?

Lembranças encaixotadas

Revirando umas caixas velhas, encontrei meus antigos diários. Descobri que essa mania de escrever com riqueza de detalhes me persegue desde que eu aprendi a juntar sílabas. A letra mudou bastante desde o primeiro, mas sempre foi legível, bonita e bem caprichada. Meus cadernos eram sempre os mais bem cuidados. E os mais emprestados, também, na época da escola. Me orgulho disso até hoje, quando vivo meus momentos de nostalgia.
O mais curioso não foi ter encontrado os diários, mas parar pra reler toda aquela baboseira que, à época, era segredo de morte. Somente as minhas melhores amigas (éramos três, como somos até hoje e, espero, seremos por muito tempo) sabiam o que continham aquelas páginas cor de rosa.
As flores estampadas e os adesivos de princesas e fadas sempre foram primordiais. Se faltasse, eu achava que enlouqueceria. Mas enlouqueceria, mesmo, se me roubassem algum daqueles tesouros. Minha vida inteira, passo a passo, estava descrita naquelas linhas. Eram segredos que eu acreditava que levaria para o túmulo. Ledo engano. Mal sabia que eram eles que me divertiriam, anos mais tarde, nas mesas de bar e reuniõezinhas da turma do colégio.
As intrigas com outras meninas, as brincadeiras de bonecas, os amores tão infantis...
Só um segredo eu nunca contei a ninguém. Percebi que esse se mantém secretamente escondido no meu coração ainda hoje, depois de velha, formada, adulta. Escondido não, soterrado em meio a escombros de um passado presente.
Foi quando uma foto caiu do meio de um dos diários... era uma foto das férias que passamos na Bahia com a turma toda. Eternizados naquele pedaço de papel, Eduardo e eu pulávamos na piscina do hotel, de mãos dadas.
Eduardo sempre foi meu amigo. Desde que nos entendemos por gente, andamos juntos. Somos vizinhos até hoje e vamos juntos ao trabalho, partilhamos horas de almoço e de descontração nos fins de semana. Ele é o meu melhor amigo. As meninas tinham ciúme dessa nossa amizade. Talvez por ele ser um dos meninos mais populares da escola, ou por eu dividir a atenção que deveria ser exclusivamente delas. Lembro que íamos juntos para a escola, de bicicleta, que corríamos na praia todas as tardes, que andávamos de patins no clube, que nadávamos todo sábado no mesmo horário, que contávamos tudo um para o outro...
Lembro, como se fosse ontem, o dia em que ele me contou que estava apaixonado pela primeira vez. E quando eu contei a ele que havia me apaixonado, também. Mesmo que não fosse de todo verdade, também não era mentira.
Lembro que combinamos que o nosso primeiro beijo seria um ensaio para não errarmos com as respectivas paixões e nos beijamos de frente para o mar, ao pôr do sol. Lembro como se fosse hoje... e reler nos velhos diários toda a nossa história reacendeu o segredo que eu guardava comigo há muito no fundo do coração.
Emocionadíssima com os momentos que eu pude reviver lendo aquelas páginas desbotadas, ri e chorei uma tarde inteira. Até me esqueci de terminar a arrumação que havia começado. Tomei um banho, arrumei as caixas de volta e fui dormir. Sonhei com Eduardo como há anos não sonhava.

domingo, 4 de abril de 2010

Relatos de um Diário enciumado

As novidades tecnológicas me roubaram a vez, o lugar e a preferência. Desde que arrumou esse novo aparato, deixou de lado o exercício de me dar um lugar privilegiado, de destaque na prateleira. Antes, ela não precisava me procurar por todo canto, sabia exatamente onde me encontrar.
Sempre reclamou da tendinite, mas, em mim, buscava alívio na livre mudança dos movimentos. Ela perdeu o juízo, abandonou as raízes, não faz mais questão de ver as palavras nascerem de seus gestos, prefere vê-las pingar da ponta dos dedos, como um robô apressado.


Confesso, sinto falta de ser o seu xodó. Não pisco em neon azul, mas minhas páginas cor-de-rosa refletem o brilho dos seus olhos. Espero que se lembre de mim. Não gosto da sensação de abandono que me causa o fundo de uma bolsa escura o dia inteiro. Quero que me leve aonde for.
Não me importo de ser rascunho. Conheço meu lugar. Só peço que ela reconheça o meu valor. Afinal, antes de ser virtual, toda e qualquer idéia que sai da cabeça dela só se torna real quando passa por mim.


quinta-feira, 1 de abril de 2010

Fim de noite

'boemia
aqui me tens de regresso'


Desisti dessa vida comum. As pessoas passam por mim, apenas. Ninguém suporta ficar ao meu lado mais que uma noite. Já não tenho mais esperança na humanidade.
'O bom filho à casa torna'. E mesmo que eu nunca tenha sido exemplo de filha, retorno à boemia, quem melhor me acolheu desde que saí de casa pra tentar a sorte fora daqui.
Talvez seja isso o que eu precise nesse momento. Sair mais uma vez, abandonar, desertar, fugir...
Meus sonhos de camelô se desfizeram feito bibelô que se arremessa do alto da estante e se parte ao chão. Minhas certezas de contas se arrebentaram como colar tirado do pescoço aos puxões. Minha razão equilibrista desequilibrou-se do meio fio.
Não sou a mesma.
Termino a noite como comecei. Sem ninguém ao lado para dividir quem realmente sou.
Fim de noite... meia luz... ponta de cigarro... copo vazio.

'boemia
aqui me tens de regresso'

Obrigada pela inspiração, Amigo.

Flor da Vida

solitária,
ela busca na natureza inspiração para não sucumbir.
abandonada pelos sonhos que alimentara, entrega-se ao prazer de ser somente ela.
adormece.
em paz consigo mesma, alcança o mais profundo de seu interior e sonha mais uma vez.



desperta.
encontra uma flor debruçada sobre seu colo.
lentamente,
as cores voltam a fazer parte de seu dia.
e volta a alimentar seus sonhos infantis.

Obrigada pela inspiração, Amigo.

Segredos

escrever eleva a alma
é como se as palavras que me escorrem aos dedos
viessem com uma parte da minha alma entrelaçada
e mostrassem ao mundo o meu verdadeiro ser
o meu lado artista revela, com delicadeza, as minhas fraquezas humanas
e me mostra que é possível ir além, ser mais

escrever liberta a alma
abre portas e janelas
dá passagem a mundo novos
que, paralelos ou não,
revelam uma realidade adormecida dentro do meu coração

escrever permite alcançar o inalcançável
permite reconhecer o que escondia de mim mesma
leva-me a lugares ainda não explorados
floresce.

Iluminada

Eis que as nuvens se abrem, timidamente, e dão passagem a raros raios raios de um Sol teimoso que insiste em sair para iluminar o caminho por onde ela passa.
Ainda com os sonhos da noite anterior vivos em seus olhos, segue, automaticamente, seu caminho de todas as manhãs.
Para ela, não é mais que um dia comum, um como outro qualquer... mas o Astro Rei que segue seus passos e ilumina o caminho da menina dá novo significado àquele dia.



Este, o Astro, insistente, illumina em redor, dentro.
O oculto.
O revelado.
Ele, o Astro, na verdade nunca vai embora.
Os sonhos da noite anterior, que foram iluminados pelo Luar, na verdade, foram iluminados por ele, o Astro, que reflete sua luz na amante noturna.
Ela,
Ele,
A amante... amam!