quinta-feira, 8 de abril de 2010

Saudade não tem tradução

raramente se encontravam na rede. nunca trocavam emails, que dirá telefonemas. até que um dia o telefone dela tocou. era um número grande, diferente. e começava com o código da cidade dele. gelou. seu coração acelerou. e antes de pensar em qualquer coisa, atendeu à ligação quase que sem respirar. a voz trêmula do outro lado da linha indicava que ele também não esperava ouvi-la tão rapidamente. perguntou como ela estava e  esperou resposta. ela sorriu e disse que estava bem, mas logo quis saber o motivo da ligação inesperada. ele não soube dizer. ligou por ligar, apenas para ouvir a voz dela. sentia saudade. e ela também. ainda agora não se sabe quem disse isso primeiro. talvez tenham dito ao mesmo tempo, ou nem precisaram dizer, pois partilhavam aquele sentimento que aperta o coração. e o silêncio reinou. queriam saber tudo, mas não tinham coragem de perguntar nada. ou não conseguiam formular frase devido à rapidez com que seus corações batiam e seus hormônios se movimentavam. conversaram sobre coisas comuns, aquelas que se conversa com qualquer pessoa que pergunte 'como vão as coisas?'. mas queriam mais. ambos queriam saber a mesma coisa, mas não tinham coragem de perguntar. até que ela, após mais um longo silêncio, juntou forças e a pouca coragem que tinha e disse: 'e quanto a nós dois?' ele, sem graça, e sem resposta, balbuciou qualquer coisa como quem não entende o que foi perguntado e ela tentou mais uma vez. 'e quanto a nós? por que nunca aconteceu? eu sentia tanto carinho por você, tanta vontade de ficar junto... tanta coisa ao mesmo tempo. ainda não entendi porque perdemos o contato tão bruscamente. sei que seria difícil assumirmos um compromisso, por causa dessa maldita distância. mas não queria ter perdido você. nunca quis...' ele ainda não sabia o que dizer, mas respirou fundo e reagiu tão depressa que até se assustou com o que disse: 'eu ainda te amo!' sobrou um silêncio que ecoou dentro deles por mais um tempo. até ele repetir as mesmas palavras: 'eu ainda te amo! e também não consigo entender o que aconteceu com a gente. eu também queria, sempre quis você por perto, te abraçar, cuidar de você todos os dias... mas sabia que não poderia. vivíamos realidades muito distantes, não seria possível. e eu desisti. relutei, chorei, sofri. pensei em você noites inteiras, em claro, tentei te ligar e não tive forças...  até que não tive mais coragem. deixei sufocar esse sentimento tão intenso que eu carreguei comigo desde a primeira vez que te vi, naquele dia, em meio a tantas outras pessoas. você morava em todos os meus sonhos. não teve uma noite sequer que eu não tenha sonhado com uma vida ao seu lado. mas eu fui fraco, tive medo, desisti.' e ela sentiu uma lágrima cair. contou que sonhara com ele tantas vezes que perdera a conta. ela tinha chegado a escrever para ele, mas nunca teve coragem de enviar os seus escritos. sofreu, chorou, relutou tanto quanto ele por esse sentimento que surgira em meio ao nada, numa viagem para longe. tudo o que ela queria, quando fez aquela viagem, era se desligar da vida que levava no seu mundo. conseguiu. só não esperava voltar querendo uma vida que foi obrigada a deixar lá. disse a ele que não sabia mais o que sentia. e que também havia desistido. a última frase dele disse tudo o que foi guardado durante cinco anos nos dois corações:  'hoje pensei tanto em nós dois que não podia deixar pra depois e eu vim aqui só pra dizer que eu sou louco por você'. ela entendeu o recado. e choraram juntos. aquele sentimento de tantos anos não havia se perdido, continuaria na memória daquele jovem casal por toda a vida. cada um seguira seu caminho, construíra uma nova realidade, mas jamais deixaria para trás o calor daqueles dois dias em que se conheceram e se apaixonaram. tudo o que eram, dependia, em alguma parte, do que foram juntos. desligaram o telefone com a incerteza de se encontrarem mais uma vez. mas com uma certeza: jamais esqueceriam um do outro.

(ao fundo, tocava Rosa de Saron)

Conversas cinzentas

- Olha pra cima...
- Hum.
- O que você vê?
- Um dia horroroso!
- Nossa! Que triste... você não consegue ver mais que isso?
- Não!
- Nem detalhes?
- Não. Só consigo ver um céu preto que acabou com o meu humor e todo o planejamento de um dia perfeito na praia.
- Ah, melhoramos...
- Melhoramos? Eu to na mesma.
- Não,  melhoramos, sim! Você já conseguiu pôr sentimento à sua observação.
- Ah, é. Pus raiva! (¬¬)
- E não é sentimento? :)
- É.
- (mão no queixo. olha com meio sorriso) :)
- Que foi, tá divertido?
- O que?
- Me olhar com essa cara...
- Ah, desculpa (caindo pra trás, cruza os braços como apoio para o pescoço olhando o céu)
- Não... tudo bem. (sem graça)
- (olha rápido, levantando a cabeça. sorri. volta a olhar o céu, sem se levantar)
- (inquieto) Que foi?
- (ainda deitada, olhando o céu) O que?
- Você... olhando, aí, pra cima. O que é que tem aí de tão legal no meio desse monte de nuvem preta?
- (suave) Movimento...
- (meio irônico) Ah, é... só se for de chuva!
- (rindo) Também, não nego. Mas não era bem isso que eu olhava...
- E se não era isso, o que?
- Deita aqui do lado...
- (deitando) Ai, só você pra me fazer deitar aqui... tem gente olhando, sabia?
- E daí? Não estamos fazendo nada demais, só observando.
- Tá, deitei.
- Agora olha...
- Hum, to olhando.
- (¬¬) Só olha!
- Ai.

(os dois passam um tempo observando o céu. depois de alguns minutos, ela, ainda deitada, pergunta)

- E agora... me diz o que você tá vendo.
- Ainda to vendo as nuvens pretas e o dia feio.
- (respira fundo, olha pra ele sem levantar) Quer ir embora?
- Não!!! Era brincadeira. (xF)
- (vira os olhos para o outro lado) Ah... claro. Vou perguntar mais uma vez, então. (respira fundo, volta a mirar o céu) E aí, o que você vê?

Lembranças encaixotadas

Revirando umas caixas velhas, encontrei meus antigos diários. Descobri que essa mania de escrever com riqueza de detalhes me persegue desde que eu aprendi a juntar sílabas. A letra mudou bastante desde o primeiro, mas sempre foi legível, bonita e bem caprichada. Meus cadernos eram sempre os mais bem cuidados. E os mais emprestados, também, na época da escola. Me orgulho disso até hoje, quando vivo meus momentos de nostalgia.
O mais curioso não foi ter encontrado os diários, mas parar pra reler toda aquela baboseira que, à época, era segredo de morte. Somente as minhas melhores amigas (éramos três, como somos até hoje e, espero, seremos por muito tempo) sabiam o que continham aquelas páginas cor de rosa.
As flores estampadas e os adesivos de princesas e fadas sempre foram primordiais. Se faltasse, eu achava que enlouqueceria. Mas enlouqueceria, mesmo, se me roubassem algum daqueles tesouros. Minha vida inteira, passo a passo, estava descrita naquelas linhas. Eram segredos que eu acreditava que levaria para o túmulo. Ledo engano. Mal sabia que eram eles que me divertiriam, anos mais tarde, nas mesas de bar e reuniõezinhas da turma do colégio.
As intrigas com outras meninas, as brincadeiras de bonecas, os amores tão infantis...
Só um segredo eu nunca contei a ninguém. Percebi que esse se mantém secretamente escondido no meu coração ainda hoje, depois de velha, formada, adulta. Escondido não, soterrado em meio a escombros de um passado presente.
Foi quando uma foto caiu do meio de um dos diários... era uma foto das férias que passamos na Bahia com a turma toda. Eternizados naquele pedaço de papel, Eduardo e eu pulávamos na piscina do hotel, de mãos dadas.
Eduardo sempre foi meu amigo. Desde que nos entendemos por gente, andamos juntos. Somos vizinhos até hoje e vamos juntos ao trabalho, partilhamos horas de almoço e de descontração nos fins de semana. Ele é o meu melhor amigo. As meninas tinham ciúme dessa nossa amizade. Talvez por ele ser um dos meninos mais populares da escola, ou por eu dividir a atenção que deveria ser exclusivamente delas. Lembro que íamos juntos para a escola, de bicicleta, que corríamos na praia todas as tardes, que andávamos de patins no clube, que nadávamos todo sábado no mesmo horário, que contávamos tudo um para o outro...
Lembro, como se fosse ontem, o dia em que ele me contou que estava apaixonado pela primeira vez. E quando eu contei a ele que havia me apaixonado, também. Mesmo que não fosse de todo verdade, também não era mentira.
Lembro que combinamos que o nosso primeiro beijo seria um ensaio para não errarmos com as respectivas paixões e nos beijamos de frente para o mar, ao pôr do sol. Lembro como se fosse hoje... e reler nos velhos diários toda a nossa história reacendeu o segredo que eu guardava comigo há muito no fundo do coração.
Emocionadíssima com os momentos que eu pude reviver lendo aquelas páginas desbotadas, ri e chorei uma tarde inteira. Até me esqueci de terminar a arrumação que havia começado. Tomei um banho, arrumei as caixas de volta e fui dormir. Sonhei com Eduardo como há anos não sonhava.