sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cidade Sorriso

chora a cidade sorriso
e suas lágrimas escorrem aos montes
formando cachoeiras de sofrimento profundo

chora a cidade sorriso
se desespera por não poder mais sorrir
as poucas forças que restam
se perdem no chorar

chora a cidade sorriso
coração apertado
nó na garganta
tristeza

chove a cidade sorriso.

Vontade de Chumbo

A nova história da Bailarina e seu Soldado

Bailarina e Soldado se conheceram num dia de muito calor na Loja de Brinquedos. O Casarão estava com todas as suas portas e janelas abertas e do jardim da frente chegavam o perfume das flores e algumas serelepes borboletas que vinham colorir o ambiente.
Menos querido que os outros soldadinhos, o Soldado de Chumbo resolveu passear pela Loja, no seu ritmo, diferente da euforia dos seus companheiros que se exercitavam, correndo em círculos. E foi nesse passeio que o Soldado de Chumbo avistou a Bailarina. Ela dançava no alto da estante, na sua reluzente Caixinha de Música.
Foi com uma certa timidez que ele se aproximou da Bailarina e começou as primeiras conversas. No início, ela dançava como se não o visse. Mas com o tempo, passou a gostar daquela companhia que há muito lhe observava de forma tão gentil.
Ela era leve. Alçava vôos bem altos. Almejava ser livre. Tudo o que a Bailarina mais queria era se libertar das suas dores e poder sair da Caixinha de Música. Mas, assim como o peso de chumbo do Soldado, ela tinha suas amarras que não a permitiam ser feliz por inteiro. Seus vôos mais altos eram seus melhores sonhos e seus piores pesadelos. Porque, quando ela acordava e percebia que estava no mesmo lugar, com um de seus pés sempre atados à Caixinha de Música, perdia a vontade de dançar, de repetir aqueles mesmos movimentos de todos os dias.
Ele tinha um peso a mais. Era de chumbo. Não flutuava como a Bailarina. Mas mesmo assim, se apaixonou pela insustentável leveza daquele ser de longas pernas, que dançava gratuitamente, quase pedindo para ser admirada. E ele admirava. Não somente a dança, mas a Bailarina e suas longas pernas.
Se apaixonaram e não foi uma história de amor como as dos contos de fadas. Poucos brinquedos aprovaram a aproximação dos dois e eles começaram a desconfiar se aquilo daria certo. O Soldado não se comportou como a Bailarina esperava e ela se decepcionou com ele.
Depois de um tempo juntos, ela decidiu se separar dele e voltar ao alto de sua estante. Ele, entristecido, não conseguia entender o motivo da separação. E sofreu. Sofreu porque não sabia mais o que fazer. Estava entregue a um sentimento que não existiria mais. Até que decidiu seguir em frente. E uma certeza ecoava dentro dele: "se libertar das amarras do medo não é fácil, nem impossível. É necessário."
E quando ele se libertou, se tornou mais leve que a Bailarina. Marchou, dançou, rodopiou com a Boneca de Pano, mas mais que isso: com todo o seu peso de chumo, o Soldado flutuou... e ela não entendeu como isso podia acontecer. A Bailarina não soube mudar como o Soldado e continuou presa à sua vida de Caixinha de Música. Soldadinhos iam e vinham perto dela. Mas passavam. E ela continuava lá, presa à sua vida de Caixinha de Música.
E ao contrário do que se pensa, a Bailarina e o Soldado de Chumbo foram felizes para sempre... separados. Cada coração encontrou um novo sentido, nele se firmou e seguiu rumo. Um por cada estrada, traçando, ambos, novos caminhos e buscando, a cada passo, uma eternidade que não se constrói. Ele, a cada passo de sua marcha. Ela, em cada passo de sua repetida dança.
E foi assim que o Soldado de Chumbo percebeu que o que batia dentro dele e às vezes o sufocava, se chamava coração.