quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Você não era assim...

Tudo o que eu me lembro da nossa distante infância se resume a chatices e implicâncias. Mas nada que não seja normal pra crianças daquela idade que tivemos.

Tudo o que eu me lembro do tempo que passei longe de você a primeira vez é que eu nem me lembrava de você, na verdade. Você não me sobrava nem faltava. Já nem sabia mais da sua existência pra gastar toda a sinceridade que habita em mim.

Tudo o que eu me lembro da primeira vez que te revi foi a vergonha de estar perto de você e a vontade de dizer que tudo não passou de implicância infantil e que agora você parecia outra pessoa, completamente diferente e amadurecida e adolescente. E foi nessa hora, pela primeira vez, que eu realmente me dei conta de quem era você. E de que você existia. E que, de alguma forma, fazia parte da minha vida. E eu queria que fizesse mais.

Tudo o que eu me lembro do tempo que passei longe de você a segunda vez é um vazio que me apertava eu não sabia onde nem quando nem como, mas que me tirava o ar algumas vezes. E mesmo não sabendo que era falta de você, alguma coisa dentro de mim parecia ter perdido um pedaço. E era saudade do que não fomos e não sabíamos que iríamos ser.

Tudo o que eu me lembro da segunda vez que te revi é que as coisas se atropelaram todas e se sobrepuseram e de repente estávamos abraçados, dois pra lá dois pra cá e conversas ao pé do ouvido. E de repente estreitamos os laços que nunca nem soubemos ter. E aí já não tinha mais pra onde fugir, voltar ou correr. O que o destino traçara estava feito e não era a gente que poderia mudar ou não querer ou tentar desfazer.

Tudo o que eu me lembro da primeira vez que você mentiu pra mim é que foi doce. E tão fofo e tão sutil que nem parecia mentira. E eu caí direitinho, como todo ser humano adolescente e frágil sempre cai, mesmo sem saber e muito menos sem achar que caiu. Mas eu caí. E achava que estava no comando da situação, mas (ah, quanta ingenuidade!), é claro que não.

Tudo o que eu me lembro das vezes que se seguiram e que você mentiu pra mim é que a sua mentira continuava doce. E fofa e sutil. E eu continuava achando que o mundo era cor-de-rosa quando eu estava do seu lado. E tinha certeza de que era por isso. Mas a verdade é que ele permanecia azul e só eu que não queria ver.

Tudo o que eu me lembro da última vez que você mentiu pra mim é que doeu muito mais que toda a saudade que eu tinha sentido. E muito mais do que se você não tivesse mentido. E muito mais do que toda a dor que eu já tinha experimentado e conhecido e sentido até então. E foi difícil de curar, de esquecer, de cicatrizar. Mas cicatrizou.

Tudo o que eu me lembro da última vez que eu te vi é que eu já nem lembro mais o que eu sentia. Nem sei se ainda sentia alguma coisa quando vi você passar. Porque você já tinha mudado outra vez e não cabia naquele você que era a imagem sua que eu tinha guardado, ainda docemente, mesmo depois de todas as suas sutis mentiras. E porque eu achava que você tinha carregado toda a minha capacidade de sentir pra longe, mas tão longe que ela nunca mais poderia voltar. Mas voltou.

Tudo o que eu me lembro da última vez que eu te vi passar é que você já não significava mais o mesmo pra mim. E já não fazia mais parte da minha vida. E nem fazia parte da minha saudade. Mas permanecia em algum lugar do meu passado, em preto e branco, como uma lembrança que existiu e que parou por ali.

Tudo o que eu me lembro da última vez que eu me dirigi a você é a percepção que eu tive do que você era. Você não era nem metade do que eu achava que era. Na verdade, estava bem longe de ser. Você era, em toda a sua inteiridade, uma doce mentira que me acalentava e me aquecia o coração, ainda que nada fosse verdade. Mas era uma mentira. 

Tudo o que eu me lembro da última vez que eu pensei em você é que eu tinha pena. Ou um sentimento qualquer daquela coisa inacabada que a gente resolveu deixar pra lá. Porque se nunca começou, como é que poderia ter fim?

Tudo oq ue eu me lembro de você é que, em todas as minhas lembranças, ainda as que foram mentiras, você não era assim.