terça-feira, 3 de agosto de 2010

Dos pequenos exercícios de memória

Não teve um segundo sequer que eu tenha parado pra pensar na minha vida, fosse lendo recados e cartas e cadernos antigos, vendo fotografias ou achando trabalhos antigos da época de colégio... (naquele tempo em que se registrava tudo no papel e se guardava) que eu não tenha sentido uma explosão de sentimentos que não tem nome me sairem do peito como borboletas em revoada a alcançar o infinito com suas pequenas asas.
O coração apertou, o sorriso não se conteve, a lágrima fugiu. Tudo isso, toda a minha história passou diante meus olhos como num filme que eu estivesse revivendo. E sorri. E chorei. E fui feliz mais uma vez.
E não teve um segundo sequer que eu tenha parado pra reviver a minha doce infância ou a minha atribulada adolescência em que você não estivesse presente. Você que estendeu a mão toda vez que eu caí, você que secou as lágrimas que insistiram em aparecer, você que buscou o sorriso no fundo do peito ou na beiradinha da alma, você que abraçou e pulou junto pra não sentir frio, você que ensaiou quadrilha pra ganhar ponto na escola, você que escolheu a minha roupa pra ir a uma festa, você que treinou handebol e sempre deu os passes perfeitos, você que fez caminhadas, você que me roubou um livro, você que fez reuniões na sua casa, você que levou metade da turma pra almoçar na casa do seu avô por conta de trabalhos, você que sempre foi a melhor dupla de buraco porque me entende só num olhar, você que me arrastou pra ir à praia, você que virou a noite conversando na internet (comigo ou com alguém por mim), você que riu alto no meio da rua como se não existisse ninguém mais em volta, você que nunca contou quem quebrou o vidro da janela, você que jogou bola na rua, você que jogou taco na rua, você que fez encontro de adolescentes, você que chorou no meu ombro, você que me poupou tempo ficando com aquele menino que eu queria e que não valia a pena, você que sussurou a resposta da questão mais difícil daquele simulado, você que achou a agenda que eu tinha esquecido e leu todos os meus segredos, você que comprou balas de hortelã todo recreio, você que correu atrás de pombos o recreio inteiro, você que andou o pátio inteiro procurando os meninos só pra vê-los de longe, você que me deu os piores apelidos, você que abriu polvo e frango no laboratório, você que vendeu açaí, você que passou as respostas dos exercícios daquele professor mala antes de começar a aula, você que revisou cada detalhe da matéria antes da prova, você que fez grupo de estudos na sua casa, você que andou de bicicleta na chuva comigo, você que me ensinou física, você que me apresentou a pessoas legais que estão na minha vida até hoje, você que se meteu em várias furadas junto comigo, você que só fez coisa errada esperando meus conselhos, você que foi à missa comigo, você que se declarou pra mim sabendo que não ia dar em nada, você que cantou no show de talentos, você que dançou no show de biologia, você que vendeu doce pra ter dinheiro pra festa de formatura, você que passou recreios escondido na sala tocando violão, você que escreveu músicas sentado no chão do pátio, você que jogou bolinha de papel no meu olho, você que levou bronca por minha causa, você que começou a guerra de estojos no meio da aula, você que pagou mico junto comigo, você que me matou de vergonha, você que voltou da escola andando comigo, você que dividiu o biscoito no recreio, você que emprestou a sua barbie, você que pisou no meu pé machucado, você que riu de mim quando engessei o braço, você que gritou comigo no telefone, você que disse que nunca mais falaria comigo e me ligou uma semana depois perguntando como tivemos coragem de ficar tanto tempo sem conversar, você que me escreveu cartas estando na carteira do lado, você que comprou caneta pra eu roubar do seu estojo, você que desenhou tudo o que eu quis, você que sentou na escada pra matar aula, você que levou vodka escondida no último ano da escola, você que me deu dinheiro na rua no trote, você que guardou todos os meus segredos desde o primeiro até os que ainda nem existem, você que sempre esteve aqui.
E não teve um segundo sequer que eu tenha parado pra admirar as pessoas que eu tenho na minha vida que eu não tivesse te visto do meu lado. Você que me conhece, às vezes, melhor do que eu. Você que me viu crescer. Você pra quem eu não tenho palavras.
Você que é meu amigo de infância.

Um comentário:

Petite disse...

Lindo o texto, Morena! Parece telepatia, eu li um caderno nosso hj!
Ti mau!